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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

História para 24.08.2012


UMA HISTÓRIA DO TEOTÓNIO


O senhor Teotónio já correu mundo. Foi marinheiro,
fragateiro, fuzileiro, montanheiro, quadrilheiro, falcoeiro,
artilheiro, enfim, um grande aventureiro.
– Um grande pantomineiro! – diz o meu pai, que não
acredita, nem um nadinha, nas histórias que ele conta.
Eu e os outros rapazes, cá da rua, acreditamos. Quando
estamos cansados de jogar à bola, vamos bater à porta da
casa dele e pedimos:
– Senhor Teotónio, conte uma história das suas.
Ele vem à janela, com cara de zangado:
– Eu não conto histórias. Tudo o que eu conto aconteceu.
São episódios da minha vida.
– Então conte um episódio da sua vida – insistimos.
Danado está ele para contar. E nós para ouvi-lo. Mas
finge-se desinteressado e ocupado com outros assuntos
mais urgentes.

– Agora, não posso. Mais logo, quando estiver
disponível...
– Agora! Agora! – gritamos em coro, num grande
chinfrim, à beira da janela do senhor Teotónio.
Então ele, com cara de frete, como se fosse obrigado,
conta um dos tais episódios da sua vida. Mal começa  a
contar, os olhos dele riem, enquanto nos fita um por um,
como se estivesse a divertir-se à nossa custa. Estará? A
mim não me importa, que também me divirto com as
histórias dele.
– Uma vez, estava eu a trabalhar no fundo de uma mina
e houve um desmoronamento. Fiquei bloqueado. Não valia
a pena esperar por socorros. A verdade é que ninguém
desconfiava que eu tinha cavado aquela galeria, por conta
própria, fora das horas de serviço. Era uma mina de ouro.
Estremecimento geral na rapaziada. O senhor Teotónio
apreciou o efeito e continuou:

– E que mina! Só naquele corredor, que eu considerava
de minha propriedade, havia ouro que chegava para
comprar o mundo todo e ainda sobrava. Mas conseguir
levá-lo dali? Ia ficar sepultado com a minha fortuna. Uma
desgraça! Uma tragédia!
Como o víamos ali, diante de nós, não nos alarmámos
muito com a desgraça e a tragédia, de que ele nos falava.
Queríamos era saber o resto. O senhor Teotónio
prosseguiu:
– Mais uma hora e a pilha da minha lanterna dava o bafo.
Ficaria mergulhado na escuridão, sem ter por onde
orientar-me. Foi então que reparei numa toupeira, que saía
por um buraquinho. Quanto eu dava, naquela ocasião, para
ser toupeira, disse de mim para mim. "Quanto?", ouvi,

distintamente, uma voz perguntar-me. Fiquei petrificado
ou quase, quando percebi que era a toupeira quem falava e
que estava a propor-me um negócio. Vocês podem
supor-me louco ou mentiroso, mas foi assim tal e qual
como vos conto. Se não acreditarem, não continuo.
O que nós queríamos era ouvir mais.
Por isso claro que acreditámos.
– Acabei por oferecer todo o ouro daquela galeria, em
troca da liberdade, nem que fosse sob a forma de toupeira.
Fez-se a troca e não me perguntem como. A toupeira
transformou-se num homem, bastante feio, aliás, e eu
passei a ter a corpulência e o feitio de uma gentil toupeira.
Não me vi ao espelho, para não desistir, a meio da
negociação. Ficou a toupeira-homem no subterrâneo, no
meio do ouro, e escapou-se o homem-toupeira que, munido
do sentido de orientação das toupeiras, sem grandes
dificuldades alcançou a superfície.

– Mas o senhor Teotónio, agora, não é uma toupeira... –
estranhou um de nós.
– Depois de muitas voltas, consegui negociar, de novo, a
minha condição. Mas essa história fica para a próxima
vez...
– Agora! Agora! – voltámos a gritar, numa ruidosa
manifestação à janela do senhor Teotónio.
– Então eu conto, mas depressa, que tenho mais que
fazer do que aturar-vos. Soube, por intermédio de uns
morcegos, que um homem, injustamente preso, tinha
tentado trocar de posição com um rato, mas que  a
transacção não chegara a realizar-se, porque o rato achara
a quantidade de queijo insuficiente. Ofereci-me eu, sem
pedir contrapartida. O que eu queria era recuperar o meu

corpinho de ser humano. Dei o da toupeira ao preso  e
fiquei eu na prisão.
– E como é que se libertou? – perguntámos.
– Quando os carcereiros viram que eu não era o preso,
estranharam a mudança, mas não quiseram dar-me  a
liberdade. Tive de convencê-los com uma pedrinha de
ouro, que tinha conseguido meter na boca, quando da troca,
na mina...
– O senhor Teotónio sempre me saiu um troca-tintas –
disse, sem maldade, o mais atrevida do grupo.
O contador, reformado de tantas aventuras, não gostou
da observação e fechou-nos a janela na cara. Tão cedo não
vamos ter histórias do Teotónio.


FIM









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