Mensagem de Meijinhos

widgeo.net
Aqui pode ouvir a Rádio Luso

domingo, 9 de setembro de 2012

História para 09.09.2012

A CAIXA DE MÚSICA DA AVÓ CLARISSE
merenda decorreu alegremente. Houve bolos,
bolinhos e bolachas, compota de cereja e de alperce e leite
com chocolate para os netos e chá com leite para a avó. O
aparecimento da lata com os bolinhos secos, feitos pela
Dona Clarisse, foi recebido com palmas e vivas.
– Meninos, tenham compostura – mandava a Dona
Clarisse, numa voz com mais açúcar que todos os bolos
juntos.
O Mário, que era o mais despachado, lembrou-se de
qualquer coisa que queria saber e perguntou logo:
– Ó avó, para que serve aquela caixa de madeira toda
pintada com flores e enfeites que tem um rolo dentro, cheio
de dentinhos?
– É uma caixa de música, meu neto. Tocava lindamente

um minuete chamado... chamado... "A dama vestida de

azul", exactamente! Dávamos-lhe corda e ele tocava muito

ao de leve... Assim: tlim, tlim, tlim... Já não consigo

recordar.

Estava quase triste a Dona Clarisse. Para afastar do rosto

da avó aquele ténue véu de tristeza, o Rodrigo perguntou:

Como é que a caixa de música deixou de trabalhar?

– Escangalhou-se – respondeu ela. – Escangalhei-a eu,

quando era garota. Quis saber como é que trabalhava por

dentro. Desmontei-a e nunca mais ninguém conseguiu

pô-la a funcionar.

Um dos netos anunciou:
-Mas temos aqui o Mané que arranja. O Mané arranja

tudo.

Era o irmão mais novo, o "engenheiro" da família.

Consertava relógios de sala, fechaduras, estores,

autoclismos, transístores e outras coisas sem conserto.

Encadernava livros e reparava cadeiras, ditas de palhinha,

mas sem palhinhas. Até parece que estou a fazer

propaganda do Mané, de que ele, aliás, não precisa. É um

rapaz tranquilo, de silêncios pensativos e de modos

arrumados. E muito modesto.

Pois foi assim que o Mané, ajudado pelo Rodrigo e pelo

Miguel, se pôs a trabalhar na caixa de música, que tinha

teias de aranha mais espessas que tecido.

Demoraram à volta da caixa o resto do dia. Voltaram no

dia seguinte e nem quiseram lanchar. A tarefa era

absorvente. A avó não quis interrompê-los e voltou à sua

renda, sentada no cadeirão do quarto. Estava a dormitar,

quando eles apareceram, carregando a caixa de música que

poisaram numa mesinha.

– Oiça, avó – disse o Mané triunfante, enquanto, dava

corda.

Ela ouviu. Ela, menina na cadeira de baloiço e as mãos

de fada a tilintarem um minuete breve, leve, suave, que

vem, saltita, saltita, foge, volta, nuvem azul, flor de repente

desprendida da haste, pétalas ao vento, e outra vez o

minuete, varinhas de condão muito finas, com estrelas na

ponta, mãozinhas ágeis batendo o compasso, um sopro,

uma brisa, carícias e... pronto, acabou-se!

– Então, avó, gostou? O Mané é um ás, não acha? –

perguntava, entusiasmado, o Miguel.

Os outros netos estavam calados e ele calou-se também.

Dos olhos da avó fugiu uma lágrima, que os lábios,

entreabertos num longo sorriso, a si chamaram.

FIM
 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário