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sábado, 15 de setembro de 2012

História para 15.09.2012


A FADA BERINGELA


Era uma vez um rei e um rainha muito pobres. Tinham
um filho, que, como é óbvio, era príncipe. Viviam numa
casa arruinada, a que chamavam palácio, e nas suas
viagens através do reino, que já não lhes pertencia,
deslocavam-se numa moto mal enjorcada. O rei pegava no
guiador só com uma mão, porque a outra a levava  a
agarrar a coroa, sempre ameaçada de cair com a deslocação
do ar. A rainha arregaçava o manto debruado a arminho e
pele de coelho e encavalitava-se atrás do seu real esposo.
Quanto ao príncipe, muito esguio e alto, mal cabia no
"side-car", que é, como nem todos sabem, o nome que se
dá à barquinha atrelada a um dos lados de uma moto.
Chamavam àquele bizarro meio de transporte o "coche
real" e assim viviam contentes.

De uma vez que seguiam pela estrada, a serem
ultrapassados constantemente por camionetas, que não
respeitavam a prioridade da família real, tiveram um furo.
Assim sucedia muitas vezes e, de todas as vezes que isso
sucedia, a família real apelava para as maravilhosas
virtudes da fada Beringela. Gritavam os três em coro as
palavras mágicas:
– Querida fada Beringela, que é tão bela, tão singela, não
há fada como ela.
Vinha a fada Beringela dizendo-se muito atarefada,
muito atrasada nas suas lides de fada e, protestando sempre
contra esta descuidada família real que não sabia onde
punha os pés, isto é, os pneus, lá lhe consertava o furo.
Depois cavalgava num foguete. Fuunh! E ia-se embora
sem se voltar para trás a dizer adeus.
Esta fada Beringela, por contrato com os antepassados
do rei Vilandino III, assim se chamava o rei da moto, ficara

com a incumbência de prestar pequenos serviços, pequenas
mágicas, à dinastia real. Coisas de pouca monta: uma
chave que se perdia, um velho prato em cacos, uma melga
maçadora.
Vinha a fada Beringela: "Zebelim-perlim-limpim"  e
aparecia a chave, colavam-se os cacos, desaparecia  a
melga. Se lhe pedissem a chave de um tesouro, um palácio
novinho em folha de prata ou a má sorte importuna
afastada de vez, a fada Beringela respondia que não tinha
arte nem façanha para tais alturas e encolhia os ombros:
– Conformem-se com o que há – dizia ela.
E a família real não tinha outro remédio...
Mas coisa de furos estava na sua especialidade. Só havia
um problema, que era este: a fada Beringela, para não ser

constantemente importunada, impusera um limite aos seus
serviços, um limite anual de cinquenta chamadas por ano,
nem mais uma. Acima de cinquenta chamadas por ano a
fada já não atendia. Grande berbicacho!
Vocês estão já a ver que a família real, embalada neste
hábito de chamar pela fada dos bons serviços por qualquer
insignificância, se esquecia de contar as vezes que ela
vinha em seu auxílio. Quando davam que só faltava meia
dúzia de chamadas para completar as cinquenta, então é
que deitavam as mãos à cabeça.

Foi o que sucedeu desta vez. Estavam em Setembro e já
tinham pedido a presença da fada 49 vezes. Que fazer para
a poupar, tendo ali a malfadada da moto emperrada, na
berma do caminho? Chama-se, não se chama, desta
arranjamos nós ou vamos o resto do caminho a pé... Em
semelhante discussão a família real perdia a compostura.
– Desta feita não se chama a fada, porque o príncipe
arranja o furo – dizia o rei.
– Eu acho que a fada podia vir ajudar-me... – sugeriu o
príncipe.
– O que tu queres é cruzar os braços e não trabalhar –
concluía a rainha.
O príncipe, abespinhado, respondeu de pronto à laia de
pergunta:
– Que tenho eu aprendido convosco, Reais Pais?
Um moço, que andava aos figos, empoleirado numa
ramada de figueira sobre a estrada, e que tudo tinha

ouvido, comentou assim, em versos de pé-coxinho:
– Que família de ralaços
que madraços mais caretas!

Rei, rainha e "reineta",
Três paspalhos dos autênticos
Valem em moedas pretas
Pouco mais de vinte cêntimos.
A família embatucou. O príncipe, mais do que todos,
sentiu a afronta do termo "reineta" cair-lhe sobre a cabeça,
como uma maçã do mesmo nome. Talvez por isso fosse ele
o primeiro a mexer na caixa de ferramentas. Logo o rei
pegou numa chave-inglesa, enquanto a mãe descalçava as
luvas de seda a que faltavam dois dedos.
E, num instante, substituíram a roda.
Vocês querem crer que, de aí em diante, nunca mais a
fada Beringela foi incomodada?
Claro que a fada, vendo que os seus préstimos já de nada
valiam, emigrou, como as suas companheiras, para dentro

de um livro muito antigo, mas, antes de desaparecer de vez,
ofereceu à família real um unguento mágico, infalível
tratamento para todas as feridas. Chama-se, se me não
engano, tintura de iodo, ou coisa parecida...
FIM









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