Mensagem de Meijinhos

widgeo.net
Aqui pode ouvir a Rádio Luso

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Historia para 10.08.2012

O CÃO FAROL



Quem me contou esta história foi o senhor Tomé.
Passo-lhe a palavra:
"O meu cão Farol era um portento. Um faro que só ele!
Não há-de haver em todo o mundo e arredores um cão
caçador que se lhe compare.
Felpa de coelho que ele cheirasse, num rasgo de urzes,
era, daí a nada, mais um trangalhadanças preso ao meu
cinto. Sim, eu é que dava o tiro, mas o mérito todo da
caçada pertencia-lhe.
Às vezes, dava comigo a pensar se o caçador não seria
ele... Bem vistas as coisas, o Farol é que me levava atrás,
ele é que buscava, ele é que apanhava o rasto, ele é que
corria, ele é que levantava a caça. E eu sempre atrás. Dar o
tiro de remate não custava nada.


Quando eu via o coelho a fugir aos ziguezagues, gritava-
-lhe, a avisar:
– Pára, senão disparo.
Como nunca nenhum coelho parou ao meu mandado,
tive sempre de cumprir o prometido. Sem falhar um.
O Farol trazia-mo, depois, na boca, a babar-se de riso,
como quem me dá os parabéns pela pontaria, mas isso que
importância tinha, comparado com o esforço dele? Fazia-
-lhe uma esfregada na peitaça, sinal e festa de
agradecimento, que mais parecia pedido de desculpa por
tirar-lhe o coelho dos dentes.
Estou convencido que, mesmo sem festas, o Farol me
devolveria a caça. Ele era um mansarrão. Um
companheirão. Um cão.
Envelheceu como eu envelheci. Já nos ia faltando
genica para correr montados. Mas passei sempre as culpas
para mim:


– Sabes, Farol, o teu dono está um pitosga. Não acerta
nem numa perdiz no choco. Tremem-lhe as mãos.
Tremem-lhe as pernas e já não troca as pantufas pelas botas
de caçador.
Não era tanto assim, mas eu tinha de exagerar um
bocado.
– Por este andar, amigo Farol, vais ter de arranjar outro
dono que te leve à caça.
À maneira de resposta, o Farol poisava a cabeça nos
meus joelhos, como se quisesse dizer que já não estava em
idade de mudar de dono.
Na época da caça é que se enervava mais. Ouvia os
outros latirem lá fora, mais os estampidos das caçadeiras.


Talvez ainda lhe chegasse às narinas o cheiro a medo, que
vinha das luras, das moitas, do esconso das matas.
Nessas ocasiões, para entretê-lo, sabe o que é que eu
fazia? Sombras chinesas, no muro do quintal:
– Olha o coelho, Farol. Busca! – gritava-lhe.
Ele saltava. A sombra robusta do cão caçador cobria a
cabeça do coelho, que eu desenhara, à contraluz, com a
habilidade das minhas mãos. Desde criança que eu não
brincava a isto. Para o que me havia de dar, chegado  a
velho...
– Olha, agora, Farol, esta lebre. Corre!
E a lebre desaparecia, engolida pela sombra do Farol.
Dei-lhe as satisfações que podia. Só não estava na minha
mão prolongar-lhe a vida..."


O senhor Tomé, no fim do contar, enxugou uma lágrima.
Depois, ainda disse, enquanto fixava, tristemente, o muro
do quintal, caiado, muito branco, à luz do sol:
– De consolação fica-me a memória do belo cão que ele
foi.
A cabeça bonita de um cão perdigueiro recortou-se,
então, em sombras nítidas, na caliça do muro.
FIM




Sem comentários:

Enviar um comentário