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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

História para 13.09.2012


O BARRETE EMPLUMADO DO EMBAIXADOR ENFATUADO


Era um enfatuado.
No tempo em que esta história aconteceu, havia luxuosas
carruagens, fidalgos empertigados que nelas se passeavam,
grandes chapéus emplumados, fatos rendados e folhudos,
cabeleiras com muitos caracóis... Eram uns tempos
também muito enfatuados.
Por isso os sujeitos enfatuados que viviam nesses
tempos enfatuados ainda pareciam mais enfatuados do que
se vivessem em tempos menos enfatuados. Estão  a
acompanhar-me?
O protagonista da nossa história era, portanto, um
indivíduo muito enfatuado. O nome? Não sei. Já ninguém
se lembra.

Embaixador de um grande país, representava os
interesses do rei ou imperador desse reino grandioso
noutros reinos, quase sempre mais pequenos, mais pobres,
mais acanhados. Estou a fazer-me entender?
Como este embaixador era um presunçoso, estava
sempre a ostentar a sua origem e a opulência fabulosa do
reino, donde provinha. A ostentar e a comparar.
No capítulo das comparações é que a emproada
personagem era de uma arrogância de meter raiva aos mais
pacientes.
– O quê? O vosso palácio real tem só quarenta salas e
salões? – espantava-se, com espalhafato, o espaventoso
espanador, perdão!, embaixador. – Pois fiquem sabendo
que o mais modesto dos palácios do meu real senhor tem

mais de quatrocentos salões. Vejam a diferença.
Fosse verdade ou mentira, o que saltava à vista era  a
empáfia e a embófia (duas divertidas palavras diferentes
que querem dizer o mesmo...), a enorme empáfia e  a
enorme embófia da personagem.
Tudo lhe servia para desdenhar. Os banquetes, no país
dele, eram mais requintados, as cerimónias mais
cerimoniosas, os bailes mais iluminados, as damas mais
elegantes, as jóias mais preciosas... Tudo, no reino dele,
tinha mais brilho e mais pompa.
Quem o ouvia tinha de aturá-lo, pois ele representava um
reino poderoso e não parecia prudente entrar em
hostilidades com o seu embaixador, tanto mais que ele
próprio estava sempre a dizer:
– O nosso exército é invencível.
Fosse ou não fosse, ninguém queria tirar isso a limpo.
Estou a ser claro?

serviço num pequeno reino – bastante pequeno, mas muito
arrumadinho – foi convidado para uma caçada real.
Enjoado, como convinha, o embaixador compareceu,
vestido a rigor. Em vez de chapéu, trazia na cabeça, como
de costume, um barrete, enfeitado com uma enorme pluma
de falcão. Parece que era moda, lá na terra dele.
Logo, por sinal, a caçada era com falcão.
Assim que a trompa soou o sinal de caça e o falcoeiro
desencarapuçou a ave de rapina, o que se viu demorou
menos tempo a acontecer do que demora a contar.
A ave disparou pelo ar fora. Ia despenhar-se de bico em
riste sobre a presa. Mas, desta vez, diante do séquito
atónito, a caça visada pelo falcão foi outra. Qual? O barrete
do embaixador fedúncio.
Teria implicado com a pena? Não se chegou a saber. O
falcão arrebatou o barrete e ergueu-o nos ares, tão veloz
como descera.
O embaixador barafustou, de cabeça perdida, como se o
falcão lhe tivesse tirado a dita cabeça. À sua roda tudo ria
a bom rir.
Passadas umas voltas pelo céu, o falcão terá
reconsiderado e, aparentemente arrependido do desaforo,
regressou à comitiva. De barrete no bico, voltejou à roda
dos ombros do atordoado embaixador e, mais diplomata do
que o cavalheiro nunca fora, restituiu o cogumelo aonde
ele pertencia. Ficou o barrete um pouco à banda, mas,
depois de tanta habilidade, não se pode exigir mais perícia
a um falcão.
De seguida, voou de novo, colhendo no ar o eco dos

aplausos do séquito real. Um nunca mais acabar de vivas e
risos.
O rei daquele pequeno, mas arrumadinho, reino, que era
dotado de uma personalidade afável de grande senhor,
acercou-se da vítima do falcão e comentou:
– Aquilo a que assistimos, meu caro embaixador, parece
uma fábula. O falcão tanto podia ter arrancado a minha
coroa como o seu barrete. Que nenhum sinal de dignidade
e de grandeza se julgue eterno! A importância dos reinos e
dos impérios é um vai-e-vem. Qualquer golpe de asa e...
vão ao ar!
O embaixador alisava, exasperado, a pena do barrete.
Nunca sofrera um vexame assim. Mas fazer queixa de
quem? De quê? De um falcão? Era ridículo.
Tão furioso estava que nem deu por uma maliciosa
piscadela de olho do rei dirigida ao falcoeiro, que retribuiu,
dentes a brilhar de riso. Não viu o embaixador nem mais
ninguém, mas eu estou em condições de assegurar que foi

assim, tal e qual.
E ponho-me a cismar se o rei, o falcoeiro e o seu falcão
amestrado não teriam conspirado os três, para dar uma
lição ao impertinente... É uma hipótese. Tem pés para
andar, asas para voar. Quem acha que não?


FIM







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