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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

História para 27.09.2012

UM CLIENTE FORA DE PRAZO
Pelos fins de Setembro, os hóspedes começam sempre
a rarear na estalagem do senhor Pestana. Foi-se aquela
agitação dos meses de Julho e Agosto, com meninos  a
correrem pelos corredores, banhistas de sandálias
saltitantes, a descerem pelas escadas, senhoras encaloradas
na esplanada, a baterem os leques e a pedirem por socorro
"uma limonada, com muito gelo... muito gelo", os quartos
todos ocupados, o telefone a tocar constantemente e  o
senhor Pestana, muito cortês, a ter de dizer, desolado:
"Faça favor de desculpar, mas não temos vagas até
meados de Setembro".
Pois. Vem a segunda quinzena de Setembro e tudo muda.
A sala de jantar fica às moscas. Às moscas é maneira de
dizer, porque o senhor Pestana nem um mosquito consente
na sua irrepreensível estalagem.
– Moscas e melgas são os únicos clientes indesejáveis –
costuma dizer o senhor Pestana, cheio de razão.
Pois por um destes dias, estava o senhor Pestana ao
balcão da entrada a deitar contas à vida, desconsolado com
a falta de clientela, quando lhe entra pela estalagem dentro
um... um... até tremo, ao escrever, como podem avaliar
pelas fileiras de reticências... um... um urso.
Mas o senhor Pestana, sempre imperturbável, não
tremeu.
– Quero um quarto com uma grande cama – disse o urso.
– Para casal? – perguntou o senhor Pestana.
– Não. Só para mim – respondeu o urso.
– Com banho?
– Sem banho.
– Com vista para a piscina?
– Tanto faz. Pode ser um quarto escuro.
Isto dizendo, o urso ria-se, mostrando os dentes e as
gengivas. Polidamente, o senhor Pestana sorria, sem
perceber onde é que estava a graça.
– E quer com pensão completa? – perguntou.
– O que é isso de pensão completa? – quis saber o urso.
– É com refeições incluídas, o pequeno-almoço,  o
almoço e o jantar – esclareceu o senhor Pestana.
– Sem refeições, por enquanto – disse o urso.
– E por quantos dias?
– No fim, contamos.
Esta resposta do urso pareceu um pouco esquisita ao
senhor Pestana, mas uma das regras da sua profissão era de
saber respeitar, em todas as circunstâncias, os caprichos
dos seus clientes.
O urso abria a boca, num grande bocejo.
– Quero experimentar a cama – exigiu ele.
– Vossa Excelência, vai-se já deitar? – estranhou  o
senhor Pestana, porque ainda era de dia. – Quando quer
que o acorde?
– A meio de Março – respondeu o urso, espreguiçando-
-se.
Foi, então, que o senhor Pestana percebeu. Aquele urso
ia hibernar. E logo na sua estalagem.
– Nós fechamos a estalagem em Outubro – explicou o
senhor Pestana.
– Não faz mal. Fico cá eu – respondeu o urso.
– Mas nós vamos fazer limpezas gerais...
– Não faz mal. Tenho o sono muito pesado.
Se tinha! Depois de ter dormido Outubro, Novembro,
Dezembro, Janeiro, Fevereiro e a primeira quinzena de
Março, o urso acordou sem despertador. Vinha muito
magrinho do sono, tão escanifrado que a pele parecia um
robe turco muito largo.
– Estou cá com uma fome! – foi a primeira coisa que
disse.
E gritou pelo pequeno-almoço, aliás por cem pequenos-
-almoços juntos, porque, como se entende, estava atrasado
na alimentação. O senhor Pestana nunca teve tanto
trabalho de uma só vez, nem nos dias em cheio do meio do
Verão. A profissão de estalajadeiro é muito ingrata.


FIM

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