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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

História para 28.09.2012

UM URSO QUE IMPÕE RESPEITO

Havia na floresta uma cabana, modesta morada de
lenhadores. Nessa cabana, moravam um velhinho e uma
velhinha que eram irmãos, mas pouco amigos. Por aqui
começa esta história.
Desconfio que não estou a dizer a verdade toda. Talvez
os dois irmãos fossem amigos, lá muito no fundo dos seus
corações de velhos rabugentos, mas quem os visse  e
ouvisse a enfrenesiarem-se constantemente por dá cá
aquela palha, tal não diria. A velhinha, então, era a mais
abespinhada. Mal o irmão entrava em casa e fechava  a
porta, começava a bulha.
– Estou farta de te recomendar, Gregório Epifanov, para
não entrares sem primeiro bater à porta. Assustas o gato,
assustas-me a mim e abalas a casa com essas botifarras.
Porque não te descalças à porta?
– Porque já sei, mana Agripina, que estás à espera que eu
venha com o carrego de gravetos para te acender o lume.
Se eu tivesse a certeza de vir encontrar a casa aquecida, a
sopa a fumegar e o chá a ferver na chaleira, decalçava-me
à porta, pois claro! Mas que encontro afinal: cinzas frias na
lareira e uma velha a um canto, enrolada em cobertores, a
resmungar, com voz de bruxa...
A mana Agripina saltava do seu canto e espetava o dedo
agudo, diante do nariz do irmão:
-– Bruxa? Eu? E tu o que és? Um velho urso paspalhão
a sonhar com palácios e criados de nariz no chão. Julgas
que sou tua criada, julgas?
– Nem eu sou teu criado e trago-te este baraço de lenha
para aqueceres a ceia, velha rezingona.
Ela virava-lhe as costas e voltava para o seu canto,
resmungando:
– Passo bem sem ceia. Se queres comer o caldo, come-o
frio ou aquece tu o lume. Não estou para me maçar com
ursos velhos!
Assim viviam os dois manos. Assim passavam os serões.
De manhã, chovesse ou fizesse sol, havia sempre
tempestade na cabana.
– Levanta-te, urso preguiçoso! – gritava a velha
Agripina, sacudindo a cama do irmão.
– Deixa-me em paz, velha ruim. Passo dia a trabalhar.
Portanto, tenho direito de dormir o que me apetece e o que
o meu corpo pede – respondia-lhe o velho, com a cabeça
escondida nos cobertores.
– Isso são desculpas de urso. Se te não levantas já, vou
ao poço, encho a selha e despejo-ta pela cabeça abaixo –
ameaçava a velha.
Gregório Epifanov levantava-se, pegava no machado e
ia-se embora, sem dar os bons-dias nem comer as sopas da
manhã.
Um dia, Gregório Epifanov encontrou o urso da floresta.
Não era a primeira vez que urso e lenhador se
encontravam. Das outras vezes, empunhando o machado,
enfrentara o bicho e obrigara-o a fugir de quem era mais
valente. Outros tempos...
Agora, Gregório Epifanov sentia-se velho demais para
lutar. O machado caiu-lhe das mãos e os joelhos dobraram-
-se... Rendia-se antes do combate. O urso que decidisse o
que queria fazer dele.
– Não quero nada de ti – disse-lhe o urso. – Estás muito
fraco para que possas medir forças comigo. Como te
deixaste envelhecer desta maneira, homem?
Gregório Epifanov murmurou:
– Os anos, uns em cima dos outros, pesam-me nos
ombros. A neve de muitos invernos caiu-me na cabeça e
embranqueceu-me os cabelos. De tanto mastigar pão duro,
caíram-me os dentes. Os trabalhos custosos e as moléstias
chuparam-me a carne e curtiram-me a pele. Assim
envelheci.
Ficaram a conversar como bons amigos. A certa altura, o
velho lenhador lamentou-se do mau génio da irmã que não
parava de dizer que ele não valia nada e que estava sempre
a tratá-lo de urso paspalhão.
– E isso ofende-te? – perguntou-lhe o urso.
Pois claro que se ofendia. Se não fosse ele, a miséria na
choupana ainda seria maior. Com o que ele ganhava  a
vender lenha, ambos comiam. Além de que não era um
urso, era um homem.
Então o urso teve uma ideia. Chegou o focinho à orelha
do lenhador e segredou-lhe o seu plano. Foi uma risota!
Na manhã seguinte, repetiu-se a cena de todos os dias.
Com os modos de sempre, a velha Agripina abanou a cama,
onde, muito enrolado nos cobertores, o irmão dormia.
– Levanta-te, urso madraceiro – gritava ela. – Levanta-te
que são horas de te pores a andar.
Voltado para a parede, o irmão não dava resposta.
– Ah, sim!? Então deixa estar que hoje é que vais saber
como é fria a água do poço – disse a velha.
Dito e feito. Encheu a selha, carregou com ela  e
despejou-a em cima da cama do infeliz Gregório Epifanov,
gralhando o que se segue:
– Prova desta água, urso paspalhão, mandrião  e
resmungão, a ver se te emendas!
Espalharam-se os cobertores e da cama saltou não  o
lenhador mas um urso, um urso autêntico que se pôs  a
correr atrás da velha, pela casa fora. Ela, aterrorizada,
tropeçou na selha, caiu, levantou-se, fugiu, sentindo
sempre as garras do urso quase a tocarem-lhe.
– Quem me acode! – gritava ela que metia pena.
Valeu-lhe o irmão que entrou, nesse instante, na cabana,
empunhando um machado. Arremedou-se, ali, uma luta
que mais parecia uma dança... O urso fez de conta que
estava cheio de medo e, fingindo uma grande aflição, fugiu
para a floresta donde viera.
A partir desse dia, a velha Agripina passou a tratar  o
mano com melhores modos. Fora uma ou outra rabugice,
os dois irmãos começaram a dar-se muito bem e voltaram
a ser bons amigos. As sementes de amizade, escondidas no
fundo dos seus corações cansados, estavam a dar flores...
Gregório Epifanov nunca mais se esqueceu do urso que
lhe prestara tão bons serviços. Sempre que pode, deixa
ficar, na cavidade aberta num velho tronco, um boião de
mel que se destina ao seu amigo. Parece que os ursos são
muito gulosos.


FIM

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